sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A revolução dos bichos

Conta-se que num futuro próximo os bichos, cansados de sua longa existência de exploração nas mãos dos homens, terão se organizado numa tentativa de revolução que demandava os direitos, agora não exclusivamente, humanos.

Assim aconteceu de nos zoológicos, nas fazendas, nas casas ou nas ruas os bichos se unificarem pela paralisação, até que suas exigências fossem cumpridas, das suas atividades, fossem estas as de entreter ou alimentar, ser amado ou maltratado.

Diante da declarada revolta dos bichos o mundo humano acabou por se atordoar, não tanto pelo medo do desastre, em termos de entretenimento, alimentação, saúde emocional e exercício de crueldade, que tal paralisação poderia ocasionar, mas mais pelo azedo incômodo que seria ter de mudar o lugar em que lenta e confortavelmente ele tratou de se acomodar.

Foi por isso que, após algumas poucas discussões jurídicas promovidas pelos fóruns internacionais, ficou decidido a inconstitucionalidade da revolução dos bichos.

O resultado disso nada teve de novo: uma repressão pacífica que começou com escudos se erguendo e terminou com os cassetes descendo.

E é por isso que num futuro não tão próximo ainda teremos coisas como bacon. Porque, desde aquele último dia de sua revolução, os bichos decidiram que, diante da inevitabilidade do golpe, melhor seria que este fosse apenas um, derradeiro.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Cavalinhos Gregos ganha prêmio literário

É isso aí pessoal: este humilde blog foi agraciado com a honra de receber o Prêmio Dionei Tavares de Literatura Fantástica (categoria blog). Fico muito feliz por ter recebido o prêmio, mesmo com tão pouco tempo de blog e com grandes intervalos entre as postagens. Agora fica uma obrigação moral de continuar produzindo e com maior frequência!

Queria agradecer a todos os que votaram no Cavalinhos Gregos e a todos os que participaram comigo aqui no blog. Em especial, queria agradecer ao amigo (irmão) Igor Martins, tanto por ter participado com bastante ânimo, quanto por ter me incentivado a inscrever o blog no prêmio. Sem ele (Igor) esta vitória não existiria.

Por último, quero agradecer a todos aqueles que acompanham este pequeno recinto do insólito e perdem seu escasso tempo lendo as fantasias que vamos criando. Muito obrigado e continuem acompanhando o Cavalinhos!

Abraços,

Lucas Antunes, fantasiando.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Pandora

Ela era tão bonita que quando surgiu todos os homens solitários se apaixonaram. Loucos, cada um tentou o que pode para conquistá-la, doando-se no que mais tinha para provar seu amor: os poetas fizeram odes, os músicos canções; os comerciantes deram-lhe o que vendiam, os ricos o que compravam; os políticos fizeram-lhe promessas, os líderes cumpriram-nas; os ladrões deram-lhe todas essas coisas, os suicidas suas vidas.

Mas dela nenhum teve resposta; e, loucos, decidiram que somente destruindo uns aos outros terminariam com aquele silêncio. Assim, os poetas fizeram troças, os músicos paródias; os comerciantes cobraram caro, os ricos pagaram em dobro; os políticos difamaram, os líderes exploraram; os ladrões tiraram-lhes tudo, os suicidas mataram-se.

Ela, contudo, assistira a toda essa desgraça calada. Podia ser que não amasse ninguém, ou que amasse a todos; podia ser que fosse muito recatada, ou tão devassa que se deliciasse com a tragédia; podia mesmo ser que fosse muda ou que tivesse gritado, chorado e implorado para que eles parassem. O fato é que jamais se saberá. Pois aquilo que sem querer abrira no coração dos homens era tão podre que lhes devorara todos os sentidos.

sábado, 2 de outubro de 2010

Clube da Utopia

Foi por um acaso que eu o achei, quando entrei, procurando fugir do calor, em um pequeno boteco no centro da cidade pra tomar uma coca. Caminhei até o balcão e pedi o refrigerante, que veio servido num porta-copos que julguei esquisito. Olhando-o melhor, vi que se tratava de um porta-copos muito mais requintado que o lugar supostamente teria, com o desenho de uma ilha pintado em aquarela, e, bordado em letras elegantes, as palavras “Clube da Utopia”.

Intrigado com aquilo, resolvi observar melhor o ambiente, e, para minha surpresa, vi os maiores líderes mundiais reunidos naquele boteco velho. Bebendo e fumando preciosidades, eles discutiam como cada um gostaria de ver seu país: um dizia que queria que lá só houvesse brancos; outro, que a industrialização chegasse a todos os setores; alguém disse que queria festa o ano inteiro; seu interlocutor, torcendo o nariz, queria que o cristianismo fosse levado a sério. Cada um construía sua utopia própria e imaginária, sem levar muito em conta qualquer maneira de torná-la real.

Após um tempo, finalmente notaram-me, e, vendo um novato, ficaram curiosos em saber minha utopia pessoal. Disse-lhes que era básica, uma sociedade justa, pacífica e igualitária, onde todos pudessem ser felizes de verdade. A resposta deles foi um olhar incrédulo, como se não conseguissem meu raciocínio; concluí perguntando, ora, não é esse o propósito da utopia original? Dessa vez os olhares ficaram neles mesmos, constrangidos, mas logo alguém pigarreou e a conversa voltou ao princípio.

Voltei alguns dias depois ao mesmo boteco, mas os líderes não estavam mais lá; acredito que o Clube não possua sede fixa. Contudo, minha coca foi servida num daqueles porta-copos esquisitos, só que um pouco diferente: a pintura da ilha era a mesma, o bordado agora dizia “Clube da Egotopia”.

domingo, 29 de agosto de 2010

Salvacionismo

Os primeiros deles chegaram ao Velho Mundo montados em serpentes marinhas de centenas de metros e em gigantescos pássaros canoros, que já anunciavam, com seus assobios doces, um outro lugar onde a vida nunca era velha. A primeira coisa que fizeram foi mostrar aos tão civilizados europeus que aquele deus do qual eles tanto falavam ou não existia de fato, ou havia escondido um bocado de coisas dos seus filhos. Tudo é assim lá, disseram os primeiros deles, essa coisa que vocês chamam magia só existe onde ela não é possível.

Mas nem tudo foi novidade. Sentindo-se ameaçado, o Velho Mundo tentou combater aqueles que vinham de longe com suas armas, seu ódio e seu discurso alfabetizado. Mas logo outros vieram, montados em novos seres, com tintas a prova de balas, canções de guerra e chuvas, fogos e raios em suas mãos.

Logo seus inimigos caíram um a um, os mais fortes deles sendo devorados; porém seus aliados casaram-se com suas filhas e filhos. Os europeus perceberam que, de um modo ou de outro, eles eram um povo se miscigenava, e não viram outra opção além de se render e se unir. Mas não perceberam que, para eles, união era uma escolha e não uma obrigação.

Foi na liberdade da escolha que se amaram. E assim eles, de canto algum, nos salvaram da civilização.

domingo, 22 de agosto de 2010

É o pâncreas!

O dia começou cedo hoje. Partimos ainda no escuro indo direto pro hospital. O difícil era entender o problema de Tânia, sempre a se segurar nos meus ombros, gemendo e grunhido coisas difíceis de traduzir. E a meio caminho ela grita: é o pâncreas! Achei tão repentina sua atitude que parei de sopetão esperando que ela me falasse como chegou a tamanha conclusão. Ela sem muita demora volta a gemer e grunhir e como acredito ser o certo a fazer nesse caso, não dei a mínima ao ocorrido. Foi assim que conseguimos caminhar em torno de 5 quarteirões, já que o táxi não apareceu a tempo. Ela ficava cada vez mais enrubescida e eu mais preocupado apesar de calado, não sabia bem o que dizer. Dor sempre é um acontecimento que nos tira a paciência e no caso dela parecia ser violenta. Ao entrarmos naquele ambiente esterilizado do hospital sentindo o frio do ar-condicionado no extremo ela simplesmente para e olha pra mim perguntando: o que fazemos aqui? Eu, admito, não soube o que responder. Foi quando tive a impressão de já tê-la vista naquele estado, mas não saberia dizer quando e nem como. Ela então volta a olhar o hospital e quase que escandalizada como se eu tivesse falado as piores coisas da vida sai bufando em passos pesados. Admito que passei alguns segundos para absorver aquilo, mas não tive escolha quando vi que de fato ela estava indo embora. Corri assim os 5 quarteirões de volta para casa vendo ela sempre a frente puta da vida. Ao entrar em casa tira toda a roupa e cai na cama como se nada tivesse acontecido. Eu me aproximo calado, pois não tinha idéia do que era aquilo e em seguida ela se vira abrindo os olhos, falando: o que foi querido? Acordado a essa hora. Venha pra cama... o que está fazendo ai parado? Está me assustando! Venha...

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Tânato, oficial de justiça

Mais um dia rotineiro de trabalho. Levantar cedo, me aprontar, sair, fazer meu dever, voltar, esperar o dia de amanhã. Sem brilho, sem calor, sem vida: tédio.

Não existe poesia no que faço, ao contrário do que disseram tantas pessoas, algumas delas tristemente inteligentes e erradas. Não existia ontem, com a religião, não existe hoje, com o ceticismo, e não existirá amanhã, não importa o que qualquer possível dialética consiga trazer.

Veja esse sujeito: bebendo seu vinho solitário, um prazer fugaz e que, no entanto, lhe trará o doce da vida à boca. É tanto que quando me percebe, percebo eu que algo lhe fica bambo por dentro. “Está na hora já?”, pergunta ele, e como resposta apenas ofereço minha expressão habitual de tédio. Me oferece vinho, recuso, ele diz que não quer ir. Penso em dizer-lhe que não tenho culpa, apenas cumpro ordens, sou apenas uma ramificação do sistema, mas, cara, não tenho o menor saco pra essa conversa de novo – além disso, eles nunca entendem. Mas ele, de supetão, quebra a garrafa, levanta-se e grita a plenos pulmões. A ironia daquilo me surpreende, e até me faz rir um pouco. Levanto, balanço a cabeça e vou embora dizendo meu bordão: ê trabalho de merda.

Quem lê o blog deve ter percebido que esse texto é uma outra visão do último texto de Igor. O interessante da reescritura é perceber a leitura do texto original que ela revela. Espero que Igor não fique chateado, hehehe.