quinta-feira, 9 de janeiro de 2014
Espelhos
domingo, 29 de maio de 2011
Jogo
Eu e meu amigo Igor iniciamos há algum tempo uma espécie de jogo, com o objetivo de produzir textos para o Cavalinhos: um de nós dois começaria um conto, que seria enviado ao outro para que desse continuação, retornando em seguida ao primeiro e assim sucessivamente, até que tivéssemos um texto completo, sendo a intervenção no texto alheio permitida.
Em pouco tempo terminamos um conto, bastante vulgar (misturava, salvo engano, mitologia, horror e crítica social). Mas antes que concordássemos por uma versão definitiva, um de nós (não lembro quem) resolveu incluir, jocosamente (acredito), um comentário do narrador que resumia, criticamente, o próprio conto. Ato contínuo, o outro incluiu ao comentário uma comparação com outro autor, provavelmente Lovecraft. A resposta veio em forma de uma alteração do texto que o afastava do autor comparado, resultando numa segunda crítica por parte do narrador, reinterpretando o conto.
A partir daí seguiram-se uma série de alterações no conto, que incluíam mudanças no enredo, comparações com outros autores, comentários metaficcionais, sobre os outros autores, referências a textos anteriores e futuros do Cavalinhos, bem como a textos não literários e/ou a acontecimentos que iluminavam (ou não) o conto, e explicações sobre o funcionamento do jogo, que alertavam para a necessidade ou incoerência de uma ou outra alteração.
Não fosse isso o bastante para tornar nosso projeto inicial uma imensa confusão, somou-se o fato de que cada um de nós passou a enviar diversas versões do texto para o outro, muitas vezes copiando seu estilo, ou sem nenhuma alteração, de modo a parecer, por exemplo, que eu havia escrito algo que na verdade havia sido escrito pelo meu amigo. Assim, por mais absurdo que possa parecer, esta é uma das versões de nosso conto; e já não sei dizer se quem a escreve sou eu ou Igor.
quinta-feira, 5 de maio de 2011
Companhia II
Também não me lembro há quanto tempo estamos juntos; minha memória está cada vez pior. Contudo, julgo isso seja algo natural para quem se encontra na minha situação.
Confesso que no início eu dependia muito mais dele do que ele dependia de mim. Mas entendam: fiquei muito tempo na solidão, sem qualquer tipo de contato com outras pessoas, e aquilo estava me matando (sem sarcasmo). Foi nessa época que o encontrei, ou que ele me encontrou, ou talvez: que nos encontramos.
Desde então não nos separamos mais. Por nada. Não que eu ache isso ruim, mas não sei como ele consegue. Há muito tempo que perdi o pudor (suponho que essa seja outra conseqüência natural), mas ele... Bem, ele também é humano, não é? Mas mesmo assim insiste, de um modo ou de outro. Às vezes diz “dá um tempo!” enquanto se afasta, e eu vou deixando, pois ainda entendo essas coisas. Mas quando está quase indo embora, olha discretamente pra trás, e eu suspiro e o sigo, fingindo, para evitar constrangimentos, que sou quem implora por companhia.
Eu morri, mas não sei o que há do outro lado. Tudo por causa do medo. Não do meu, que, como tudo o que é individual, vai se escorrendo depois que se morre; mas daquele que ele compartilha comigo, junto com todo o resto, pro bem e pro mal.
domingo, 24 de abril de 2011
Companhia
Ele sempre está ao meu lado, onde quer que eu vá. A nossa união é umbilical, só eu o conheço profundamente, e ele a mim, de modo que outras pessoas o ignoram. Elas têm o delas também, mas nossa incapacidade de realmente ver as pessoas torna difícil percebê-lo.
Não adianta pedir pra ele dar um tempo, pra que eu possa passear sozinho, ir na padaria, ir a uma festa, ele não cede, e diz que não pode viver sem mim. Tenho o coração mole, e consinto. Talvez ele precise mais de mim do que eu dele.
Será que devo me livrar dele? É uma parte importante de mim, e sem ele eu não sou completo. Está certo que ele assusta um pouco quem eu deixo vê-lo, mas não quero medrosos à minha volta. Nem é tão assustador assim.
Não sei quando eu percebi a presença do fantasma, acho que ele sempre esteve ali.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Tânato, oficial de justiça
Mais um dia rotineiro de trabalho. Levantar cedo, me aprontar, sair, fazer meu dever, voltar, esperar o dia de amanhã. Sem brilho, sem calor, sem vida: tédio.
Não existe poesia no que faço, ao contrário do que disseram tantas pessoas, algumas delas tristemente inteligentes e erradas. Não existia ontem, com a religião, não existe hoje, com o ceticismo, e não existirá amanhã, não importa o que qualquer possível dialética consiga trazer.
Veja esse sujeito: bebendo seu vinho solitário, um prazer fugaz e que, no entanto, lhe trará o doce da vida à boca. É tanto que quando me percebe, percebo eu que algo lhe fica bambo por dentro. “Está na hora já?”, pergunta ele, e como resposta apenas ofereço minha expressão habitual de tédio. Me oferece vinho, recuso, ele diz que não quer ir. Penso em dizer-lhe que não tenho culpa, apenas cumpro ordens, sou apenas uma ramificação do sistema, mas, cara, não tenho o menor saco pra essa conversa de novo – além disso, eles nunca entendem. Mas ele, de supetão, quebra a garrafa, levanta-se e grita a plenos pulmões. A ironia daquilo me surpreende, e até me faz rir um pouco. Levanto, balanço a cabeça e vou embora dizendo meu bordão: ê trabalho de merda.
Quem lê o blog deve ter percebido que esse texto é uma outra visão do último texto de Igor. O interessante da reescritura é perceber a leitura do texto original que ela revela. Espero que Igor não fique chateado, hehehe.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Ainda não
Eram 22h, domingo. A semana iria começar. Estava sozinho no apartamento jogado no sofá. Molemente, eu passava os canais, quase sem ver. House, Friends, jogo do brasileirão, Crepúsculo dublado, Transformers. Tudo tão estúpido, sem sentido...
A internet não funcionava. Devia ser o vento ou a chuva. O chuveiro queimado eu não precisava naquele momento, depois daria um jeito. Aquela louça suja fingi que não era minha. Essa minha barba está ridícula, pensei. Mas isso é vaidade, chega desses sentimentos mesquinhos.
Resolvi tomar um pouco de vinho. Tinto seco, Merlot. Cor intensa, encorpado. Trouxe a garrafa pra sala, tomaria no bico, não tinha copo limpo. Me sentei no sofá e percebi que possuía companhia. Fiquei em silêncio, pensando no sentido daquilo. Nem olhei para o lado, já sabia quem era. Tomei um gole longo. Ela estava em seu traje habitual, bem à vontade. “Está na hora já?”. Ela apenas sorriu medonhamente. Ofereci um gole, e não obtive resposta. “Não quero ir, o tempo passou rápido demais.” Lembrei como é bom viver. Então quebrei a garrafa, levantei, dei um grito com todas as minhas forças. A Morte se levantou também. E simplesmente foi embora, satisfeita.
De Igor F. Martins, de novo, se garantindo.
sexta-feira, 11 de junho de 2010
A solução de quem não quer perder aquilo que já tem
O rapaz leu Memórias Póstumas de Brás Cubas, do Machado de Assis e saiu repetindo, maravilhado: “ao vencedor, as batatas!” Em seguida, leu Quincas Borba para aprofundar-se no Humanitismo.
Decidiu cursar filosofia. Leu tudo sobre o assunto competição. Preparou resenhas, escreveu artigos científicos, apresentou palestras, tornou-se um especialista na área. Conheceu Diógenes, o Cão, largou a faculdade e foi morar em um barril.
Também gostava muito daquele verso do Los Hermanos: “Eu que já não quero mais ser um vencedor”. Então ele teve a epifania: os males da nossa sociedade vinham da competição entre os homens.
Resolveu criar uma religião que desprezasse qualquer contenda. Seria a redenção do homem pelo homem. Foi tachado de comunista, de perdedor, de arrogante.
Hoje ele luta para que sua religião ganhe notoriedade e a humanidade conheça a verdadeira felicidade através de seus ensinamentos, mas não tem dinheiro para publicar seu livro, e seus amigos querem assistir à Copa.
Do mano Igor, autobiográfico, talvez?
domingo, 9 de maio de 2010
Amor tantalônico
Tântalo foi aquele cara condenado por Zeus a ficar em um pequeno poço por toda a eternidade passando fome e sede. Sempre em pé, tentava tomar a água que lhe batia no queixo, mas ela escoava; tentava pegar os frutos ao alcance de seu braço, mas o vento afastava-os. A eternidade é muito tempo, por isso ele foi liberto do flagelo. Magro e desidratado, foi acolhido por um Velho e por sua Bela Filha.
Após tanto tempo sofrendo, aprendeu que não podia ter tudo o que queria. Contentava-se com o pouco que lhe era oferecido. A sopa vinha sem carne, o pão era duro, o copo com água tinha restos de Nescau.
A Bela Filha apaixonou-se por ele, um semi-Deus, ex-predileto dos deuses, porém entendeu que não merecia ser correspondida.
Hoje, Tântalo não é mais rei, e namora a Rosângela, uma garota feia e sem atrativos, porque tem medo de ficar sozinho.
Do grande Igor F. Martins, crítico literário desempregado e escritor ninja.