quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Teólogo



O tempo sempre foi uma questão central em nossos grandes monoteísmos, polvilhando constantemente problemas na mente de seus melhores pensadores. Desses justos, o maior dos tempos recentes foi, indubitavelmente, Walter Benjamin; entretanto, o título de mais interessante, deve, se há justiça no mundo, ser entregue ao padre argentino Xavier Alonso Müller.

Em 1947, Müller publicou o opúsculo intitulado “Apocalipse e Regresso”, no qual aponta a razão das desgraças humanas: ao invés de estar se aproximando do Fim, o mundo na verdade estaria se afastando dele. Explicando melhor: para Müller, o Apocalipse já teria acontecido há milênios. Nós, homens atuais, somos os descendentes daqueles que, impedidos de alcançar o Paraíso, foram condenados a passar o resto dos tempos na danação, ou seja, na própria Terra. Assim, todos os acontecimentos teológicos importantes dos quais temos notícia seriam meros reflexos distorcidos dos verdadeiros eventos ocorridos antes do Apocalipse, encenações de uma memória teimosamente saudosista.

Diante desse conhecimento revelador, Müller descarta as atitudes mais óbvias: implorar misericórdia a Deus ou orgulhosamente desprezá-lo. Para o padre, isso significaria apenas a manutenção das atitudes arquetípicas: fé intranscendível e ateísmo improdutivo. Sua solução, ao contrário, é muito mais refinada.

Müller propõe que a humanidade concentre todos os seus esforços no avanço científico até alcançar o nível tecnológico necessário para criar uma máquina do tempo. Dessa forma, seria possível levar, mesmo que de pouco em pouco, toda uma agora consciente humanidade para a época pré-apocalíptica, garantindo finalmente a todos a Salvação irrevogável.

É difícil fazer um comentário final sobre a obra de Müller. Há um, porém, que, em seu leve deboche, sempre me pareceu bastante pertinente: “Apocalipse e Regresso é uma obra exemplar, uma vez que, depois de Auschwitz, o mundo só poderia contar com um Messias que salvasse a humanidade passando a perna no próprio Deus”.