sábado, 16 de julho de 2011

Sísifo

Minha esposa e eu estamos muito doentes. Ela está morrendo; eu, talvez já esteja morto.

Ela tem leucemia, num estágio terminal. Os médicos ainda aparecem aqui todos os dias, falam coisas incompreensíveis. Eu já quase não escuto mais. Ela, tenho certeza que não escuta há muito tempo.

Todos os dias eu me sento ao lado dela e vejo-a sofrer. Todos os dias alguém lhe dá drogas que parecem não fazer qualquer efeito; tentam fazê-la comer somente para colocar tudo para fora pouco depois; ela é invadida por mãos geladas, que ao invés de dignidade só lhe trazem humilhação; ela pede para se ver no espelho, como uma tortura, e chora pelo que vê.

Todos os dias ela me pede para matá-la.

Eu sempre nego. Digo que é impossível, que a amo, que isso é injusto, que não sou um assassino, que isso seria suicídio, que não posso perdê-la. Eu choro, ando pelo quarto, aperto minhas mãos até sangrar.

Ela só me olha tristemente e diz eu sei.

No fim eu sempre atendo seu pedido. Uso um travesseiro, desligo botões, aplico doses gigantescas de drogas que roubo do hospital. Mas no outro dia eu acordo sentado ao seu lado e vivemos o sofrimento novamente.

Antes eu achava que era só loucura, que eu vivia em minha mente o que eu não tinha coragem de fazer na realidade. Mas agora eu já não sei; tudo é tão real, toda a dor, as lágrimas, o último suspiro diário de minha esposa.

Todos os dias eu olho para trás e procuro por meus pecados. Por mais que eu tente fazer dos meus erros abominações, tenho por fim que admitir: sou um bom homem. Mas quando anoitece e eu tenho que matar minha esposa novamente, sempre chego à conclusão de que estou no inferno.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O nazista e Baba Yaga

Keith Tompson - Hut of Baba Yaga

Enrich Weiss desertou durante o inverno de 43, embrenhando-se, à noite, na terrível floresta russa. Seu mal não era a vergonha da covardia (sabia que não era um covarde), mas sim a incredulidade. Como era possível aquele derrota? Acaso não era ele – e todos os alemães – um ariano, raça superior à dos eslavos em todos os aspectos? Então o que explicava a ruína final, que lhe parecia agora inevitável?

Seus pensamentos esbarraram na estranha cabana. A princípio ficou temeroso, pois contava apenas com uma pequena faca. Mas, observando melhor o estado miserável da habitação, concluiu que esta só poderia estar abandonada.

Surpreendeu-se ao encontrar lá dentro, sozinha, uma velha vestida em trapos. Ela, contudo, como se o esperasse, não esboçou reação ao vê-lo, deixando em Joseph uma inquietação sombria.

- Sou Enrich Weiss – sussurou.

- Sou Baba Yaga, a grande bruxa dessas imensas terras. Vejo em ti uma busca. Posso dar-te o que desejas; deves, contudo, vencer uma prova. Se fracassares, devorarei tua carne.

Enrich não soube se aquilo era uma piada ou uma armadilha; porém, algo na velha o que fez perceber que era verdade. Vendo uma oportunidade para livrar-se do que o afligia, disse:

- Desejo somente a verdade: a prova absoluta de que sou um homem superior.

A velha riu malignamente, revelando dentes pontiagudos:

- Terás a prova, a recompensa e o castigo de uma vez: basta que tires minha vida. Se fores capaz, tua superioridade estará provada para sempre; se falhares, terás a morte.

Enrich parou um instante, observando o sorriso cruel de Baba Yaga. Por fim, baixou a cabeça e abandonou a cabana, deixando a velha atrás de si. Antes que a porta se fechasse, imaginou tê-la ouvido rosnar-lhe palavras de desprezo. Não se virou, contudo. Restringiu-se à segurança da imaginação, como sempre fez.