Mostrando postagens com marcador arte. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador arte. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Arte

A arte é intenção ou percepção? Até hoje não consigo me decidir sobre a resposta. Sempre que me faço essa pergunta, lembro-me daquela vez em que os alienígenas chegaram à Terra. Como sempre fora esperado que fizessem, pediram-nos que fossem levados ao nosso líder. Foi o que, humildemente, fizemos. Diante dele explicaram, com sinceridade não humana, seus planos: observariam as condições de nosso planeta e de nossa vida, e, dependendo do que vissem, decidiriam o que fazer: tomariam nosso planeta ou iriam embora, deixando tudo como sempre foi. Nosso líder, que era bastante sábio (ou, talvez, bastante ingênuo), escolheu como primeiro destino uma de nossas exuberantes florestas tropicais. Bastou ouvir o canto de nossos pássaros para que os alienígenas decidissem voltar para a solidão infinita do espaço que, afinal, não era tão solitária assim. Nosso líder, satisfeito consigo mesmo, atreveu-se a perguntar o porquê de uma decisão tão rápida e certeira. Os alienígenas então disseram que um planeta no qual os próprios animais eram capazes de fazer arte era demasiado evoluído para que merecesse ser subjugado.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Formador


O primeiro grande desejo de Adam Silverman foi ser enciclopedista. Maravilhado, segundo ele mesmo, desde pequeno com a vasta biblioteca paterna, sonhava em reunir tudo o que descobria naquele universo de palavras num só local, compartilhando com os outros sua própria euforia da revelação. As enciclopédias, contudo, já existiam.
Anos mais tarde Silverman doutora-se em filosofia e passa a dar aulas em uma universidade. Mais preocupado com a possibilidade de levar seus alunos a aprenderem a pensar do que com a “produção intelectual” propriamente dita, Silverman ainda segue os propósitos da juventude. Entretanto, a pressão por parte de seus colegas de departamento e o desinteresse generalizado dos alunos o levam a abandonar a carreira. Some por algum tempo.
Volta com um novo projeto: a montagem de grandes obras em formas de musicais que são exibidos na Broadway. Sua estreia, com uma versão das Confissões de Agostinho, é um grande sucesso de público e crítica. A partir daí, faz várias adaptações aclamadas, a mais famosa provavelmente a de Discurso do método, que inclusive contou com Jude Law no papel do Cogito. Acredita finalmente ter alcançado seu objetivo.
Seu sucesso é destruído após uma ousada montagem do Alcorão, que, auxiliado pelo clima político, desperta ódio em diversos setores. Sofre um atentado que quase tira sua vida (cuja autoria foi assumida por um grupo xiita) e pouco depois é processado por anti-semitismo, apesar da sua ascendência hebraica.
Nunca mais realiza montagens. No entanto, segundo revelaram alguns amigos mais próximos, está trabalhando numa versão pornográfica de Ser e Tempo, que deverá estrear ano que vem.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Visão do Paraíso

A obra do meu falecido amigo Ricardo Narciso tem sido muito comentada atualmente, gerando uma infinidade de opiniões sobre seus textos. Alguns o consideram violentamente progressista, ou corajosamente reacionário, ou um apolítico irônico. É igualmente metafísico e materialista; experimental e conservador; um elevado esteta e um chulo inconsequente.

“Contraditório” é a leitmotiv dos detratores de Narciso. Para eles, tal defeito se deve à incapacidade do artista em lidar com a imensa variedade de sua própria obra. Dessa forma, teríamos várias aberrações, como o “clássico” ensaio sobre a relação da diáspora palestina e as comédias nonsense.

Há, contudo, aqueles que preferem “contradição”: o que Narciso realmente faz é um ataque constante à própria obra para tratar da impossibilidade atual de se chegar a uma Verdade. A contradição seria, portanto, não um defeito, mas sim o elemento formal que rege toda a obra do autor.

Tenho minha própria interpretação, biográfica, por assim dizer, baseada numa história interessante que Narciso me contou. Disse que caminhava aleatoriamente quando, sem querer, olhou para uma pessoa que vinha em sua direção e percebeu que era um anjo; entendeu isso quando, ao cruzar olhares com esse ser, pôde ter, por um milésimo de segundo, uma visão do Paraíso refletida em seus olhos.

Creio que esta seja a verdadeira chave para a sua obra. Embora ele nada tenha me dito, acredito que tal visão modificou meu amigo para sempre. Tendo consciência de que seria impossível representar o que vira, Narciso dedicou sua obra pós-encontro a ser um monumento da ruína. Atacando a tudo e, sobretudo, a si mesma, a obra de Narciso procura ser um espelho ao inverso da perfeição e ordem do Paraíso divino; e assim, o que meu amigo tenta dizer é que algo sublime também (ou só) pode ser humanamente construído por meio da destruição.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Biografia pequena de Rodolfo Párrega – (Perspectiva)

Rodolfo Vicente dos Santos Párrega nasceu no dia 15 de outubro de 1965, em São Bernardo, SP. Aos três anos já havia lido toda a obra de Marx, Engels, Lênin e Tsé-tung, a maioria em francês e alemão. Em 69, diante da impossibilidade de lutar contra a repressão com os artigos que escrevia para vários jornais de São Paulo e do Rio, entrou para a luta armada.

Entre 69 e 71, participou de diversos assaltos a bancos, ataques a aeroportos, seqüestro de figuras importantes, e atentados a líderes militares, até que seu grupo foi descoberto pela polícia psiônica. Acabou preso, torturado e deportado para a Inglaterra, onde escreveu seu primeiro romance, Terra usurpada, amplamente elogiado pela crítica contemporânea.

Em 72, com sete anos, mudou-se para França e fundou um terreiro de candomblé, tornando-se pai-de-santo. Iniciou um romance com Anaele Zekri, ex-guerrilheiro argelino, e publicou Terreiro vermelho, seu romance de maior sucesso. Em 1973 Zekri foi espancado e morto por um grupo racista extremista, e Párrega publica o drama em dois atos Ódio ódio ódio.

Alguns meses depois, aos 8 anos, Rodolfo Párrega comete suicídio tomando um vidro inteiro de comprimidos para dormir. Ao invés de uma carta, deixa escrita apenas uma pequena nota: “Se realmente houvesse algo que valesse a pena ser dito, não haveria necessidade de dizê-lo”

Hoje em dia sua obra ainda é razoavelmente estudada, principalmente pelos especialistas dos cultural e genre studies. Outros, contudo, consideram sua produção datada e em vias de entrar no absoluto ostracismo, acusando seus defensores de promovê-la por puro interesse ideológico, e etc., etc., etc.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Representação

A forma como ela entrou definitivamente no círculo importante do mundo das artes plásticas foi através da sua técnica da “pintura da realidade”. Não se sabia muito bem como, mas com pincéis e tintas aparentemente comuns, ela era capaz de pintar não telas que se configuravam como cópias perfeitas do mundo real, mas o mundo real em si.

Obviamente, seu sucesso inicial foi estrondoso. Todos queriam comprar suas telas, ou, como na verdade eram chamados, seus “objetos”. Deu inúmeras palestras e conferências ao redor do mundo, expôs nas galerias mais importantes da época, reuniu vários seguidores, discípulos, simpatizantes. A crítica especializada (e a não-especializada, embora de maneira mais simplória/menos elitista, dependendo de quem via) falava em uma “efetiva superação do modelo platônico”, num “meta-realismo”, em “anti-mímesis”. Ouviu-se em vários momentos a palavra “revolução”, mais ainda a palavra “fama”, mas foi a palavra “dinheiro”, embora pronunciada poucas vezes, que teve o maior papel nesses acontecimentos.

A revolução, contudo, não veio, e sua obra logo se tornou datada. Atualmente poucas pessoas ouviram falar nela, e, embora sua arte ainda esteja presente nos museus, nem mesmo os poucos especialistas em sua obra são capazes de não confundi-la com as demais peças do resto do acervo arqueológico.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Encruzilhada

José Gumerciano desde pequeno queria ser repentista. Quando criança o pai o levava para assistir os duelos de repente, e o conhecimento imenso daqueles artistas o encantava. Sobre tudo eles versavam da forma mais bonita possível, tudo encaixadinho nas fôrmas que eram obrigatórias. Mas conforme José Gumerciano foi crescendo, percebeu que nunca conseguiria cantar sobre tanta coisa como esses poetas faziam, pois de muito pouco sabia.

Foi então que ele decidiu que iria ser repentista a qualquer custo. Foi numa sexta feira 13 de meia noite a uma encruzilhada e invocou o Diabo, que lhe perguntou o que queria.

- Ser o maior repentista do mundo. Quero saber de tudo pra poder sempre ter o que cantar!

- Tudo? – sorriu o Diabo ironicamente e disse “Fiat Lux” – E Gumerciano se iluminou.

Mas qual foi a decepção de Gumerciano ao perceber que, apesar de saber sobre tudo e ter as reflexões mais profundas sobre tudo, não conseguia colocar isso num poema. E então ele entendeu sorriso do Diabo, que, poeta maldito por excelência, sabia muito bem que poesia não é feita de idéias – mas sim de palavras.

Hoje qualquer um conhece José Gumerciano: todos os anos ele ganha todas das categorias do prêmio Nobel. Menos o de literatura e o da paz, que ele jamais conseguiu encontrar.

Só como suplemento, queria deixar um video aqui que ilustra um pouco o texto, refletindo sobre o que o pobre Gumerciano só conseguiu entender pela metade.