quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Oráculo



Por duas vezes Giorgos Dimitriou pôde ver sua futura morte. A primeira delas ocorreu após ser recém-admitido em uma orgulhosa escola teosófica de tradição grega devido ao seu incontestável talento para as artes oraculares. Tal visão teria sido motivada por uma arrogância e imaturidade comuns ao temperamento juvenil, e causou um impacto igualmente condizente com tal gênio e com a natureza da informação.

Por muitos anos Dimitriou esquivou-se da lembrança da visão, até que certa melancolia companheira da meia-idade o levou a novamente encarar sua morte. Mas, surpreendentemente, a forma do seu fim havia assumido uma aparência completamente diversa da que possuíra anos atrás.

A segunda visão produziu-lhe um impacto ainda maior. Sabia que o caminho de cada homem havia sido escrito pelos deuses no Livro do Destino desde os tempos imemoriais. Como poderia, então, sua morte ter mudado? Aquela dúvida abalou as crenças de Dimitriou, obrigando-o a um enorme esforço reflexivo imerso na completa reclusão. Até que encontrou a resposta.

Seu Destino não havia mudado, mas sim o próprio Demetriou. As palavras no Livro eram as mesmas; sua leitura delas, outra, uma vez que ele mesmo era outra pessoa: mais velho, mais maduro, mais humilde.

À reflexão seguiu-se a especulação: após alguns anos, Dimitriou sugeriu aos seus colegas da escola que o Livro do Destino poderia ser, afinal, um texto de ficção: seus propósitos seriam inúmeros, menos se referir diretamente à vida dos homens. Escandalizados, seus pares gritaram que se assim o fosse, os deuses seriam mentirosos em vez de deuses. Dimitriou respondeu que tratava do Livro e não dos deuses, mas não foi ouvido: expulsaram-no por heresia.

Depois disso, Dimitriou se mudou para a praia onde permaneceu até morrer, alguns anos mais tarde. A causa foi câncer de pulmão, pois fumava demais e sempre tivera pavor de médicos.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Deus Ex Machina


Jason Morgue, 23, foi encontrado morto na sala de estar de seu apartamento, deitado de barriga para baixo, com a metade inferior do corpo completamente esmagada. À sua frente se encontrava a tv e um console de videogame ligados; a tela exibia a mensagem de game over.

Outros elementos estranhos estavam ligados à surpreendente morte: todas as portas e janelas se encontravam trancadas por dentro, sem sinais de arrombamento; nenhum pertence do cadáver havia sido levado; Jason, estudante universitário “gente boa”, não possuía nenhum inimigo que poderia desejar sua morte.

O mistério ganhou grande repercussão por ser insolucionável. Alguém sugeriu a velha saída do crime-com-portas-trancadas-por-dentro: o assassino teria se escondido dentro do apartamento e esperado o lugar se encher de curiosos para escapar misturado à multidão. Contudo, como ele poderia esmagar a parte inferior de Jason e sair com tal arma do crime sem ser notado? Assim, o assassinato de Jason ficou irresolvido por uma centena de anos, até ser solucionado pelo próprio assassino.

Este se chamava Peter Hoffmann, o inventor da máquina do tempo, e escritor amador de literatura policial, e que, por recolher material para suas obras de recortes jornalísticos, havia se deparado com o caso de Jason. Aconteceu que Hoffmann, no primeiro teste de sua invenção, deslocou-se no tempo mas não no espaço, e seu laboratório estava localizado onde anteriormente era o apartamento de Jason. De modo que a máquina do tempo, um trambolho enorme, “apareceu” bem em cima do jovem que jogava videogame deitado no chão, esmagando metade do seu corpo.

Hoffmann, assustado por ter sido ele o autor do famoso crime insolucionável, teve um ataque de histeria, imediatamente retornando para sua época somente para destruir sua criação e abandonar a literatura policial.

O que foi realmente uma lástima, pois até que ele escrevia bem.