Apenas no século XXI foi criada a
primeira máquina automática de criar relatos. Seu funcionamento era simples: a
partir de uma base primária de narrativas orais recolhidas aleatoriamente (por
exemplo, conversas de mesa de bar, historias de pequenos acidentes, depoimentos
de testemunhas em estabelecimentos jurídicos, antigos casos amorosos, anamneses
médicas, etc.), a máquina era capaz de recombinar trechos dessas narrativas e
criar novos relatos de maneira completamente independente.
Contudo, para o próprio espanto
de seu criador (um engenheiro alemão chamado Bertolt Gumbrecht), máquina
automática de criar relatos passou a incorporar suas próprias criações como
componentes de sua base primordial. Alimentada pela própria voz que produzia, a
máquina passou a criar histórias independentes da realidade que a circundava,
passando ao mesmo tempo a negá-la e a reforçá-la muitas vezes na mesma
narrativa contada.
Assim, como o passar do tempo, as
narrativas da máquina automática de criar relatos desenvolveram-se
paralelamente à história humana, embora uma ocasionalmente antecipasse ou
recontasse a outra. Exemplo: em 2262, a máquina criou o relato de um certo engenheiro
alemão chamado Bertolt Brecht, inventor de uma máquina automática de criar
relatos. A coincidência com a história, contudo, chamou menos atenção do que o “erro”
no nome do personagem. Se a máquina produzia narrativas aleatórias
ininterruptas, não seria improvável que um dia ela acabaria contando seu
próprio nascimento. O “erro”, por outro lado, não deixava de sugerir certa
ironia impossível para uma máquina – a não ser, sugeriam os mais misteriosos,
que algum tipo de consciência houvesse brotado daquele emaranhado de relatos.
Num futuro mais distante, por qualquer
uma das inúmeras razões possíveis, a humanidade acabará consigo mesma. Sobrará,
contudo, protegida debaixo dos escombros da civilização, a máquina automática
de contar relatos, ainda a criar histórias, a promessa passada de que um dia
andamos por sobre a superfície da terra.
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