sábado, 16 de julho de 2011

Sísifo

Minha esposa e eu estamos muito doentes. Ela está morrendo; eu, talvez já esteja morto.

Ela tem leucemia, num estágio terminal. Os médicos ainda aparecem aqui todos os dias, falam coisas incompreensíveis. Eu já quase não escuto mais. Ela, tenho certeza que não escuta há muito tempo.

Todos os dias eu me sento ao lado dela e vejo-a sofrer. Todos os dias alguém lhe dá drogas que parecem não fazer qualquer efeito; tentam fazê-la comer somente para colocar tudo para fora pouco depois; ela é invadida por mãos geladas, que ao invés de dignidade só lhe trazem humilhação; ela pede para se ver no espelho, como uma tortura, e chora pelo que vê.

Todos os dias ela me pede para matá-la.

Eu sempre nego. Digo que é impossível, que a amo, que isso é injusto, que não sou um assassino, que isso seria suicídio, que não posso perdê-la. Eu choro, ando pelo quarto, aperto minhas mãos até sangrar.

Ela só me olha tristemente e diz eu sei.

No fim eu sempre atendo seu pedido. Uso um travesseiro, desligo botões, aplico doses gigantescas de drogas que roubo do hospital. Mas no outro dia eu acordo sentado ao seu lado e vivemos o sofrimento novamente.

Antes eu achava que era só loucura, que eu vivia em minha mente o que eu não tinha coragem de fazer na realidade. Mas agora eu já não sei; tudo é tão real, toda a dor, as lágrimas, o último suspiro diário de minha esposa.

Todos os dias eu olho para trás e procuro por meus pecados. Por mais que eu tente fazer dos meus erros abominações, tenho por fim que admitir: sou um bom homem. Mas quando anoitece e eu tenho que matar minha esposa novamente, sempre chego à conclusão de que estou no inferno.

2 comentários:

  1. Yeah, Brother, eu sou muito seu fã!
    Berezuscky I.

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  2. É Lusca, mais um ótimo texto seu e ele parece que meio que sem querer, lembranças de um passado distante.

    Sou se fã irmão e continue com seus textos.

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