O tempo sempre foi uma questão
central em nossos grandes monoteísmos, polvilhando constantemente problemas na
mente de seus melhores pensadores. Desses justos, o maior dos tempos recentes
foi, indubitavelmente, Walter Benjamin; entretanto, o título de mais
interessante, deve, se há justiça no mundo, ser entregue ao padre argentino Xavier
Alonso Müller.
Em 1947, Müller publicou o
opúsculo intitulado “Apocalipse e Regresso”, no qual aponta a razão das
desgraças humanas: ao invés de estar se aproximando do Fim, o mundo na verdade
estaria se afastando dele. Explicando melhor: para Müller, o Apocalipse já
teria acontecido há milênios. Nós, homens atuais, somos os descendentes daqueles
que, impedidos de alcançar o Paraíso, foram condenados a passar o resto dos
tempos na danação, ou seja, na própria Terra. Assim, todos os acontecimentos
teológicos importantes dos quais temos notícia seriam meros reflexos distorcidos
dos verdadeiros eventos ocorridos antes do Apocalipse, encenações de uma
memória teimosamente saudosista.
Diante desse conhecimento
revelador, Müller descarta as atitudes mais óbvias: implorar misericórdia a
Deus ou orgulhosamente desprezá-lo. Para o padre, isso significaria apenas a
manutenção das atitudes arquetípicas: fé intranscendível e ateísmo improdutivo.
Sua solução, ao contrário, é muito mais refinada.
Müller propõe que a humanidade
concentre todos os seus esforços no avanço científico até alcançar o nível
tecnológico necessário para criar uma máquina do tempo. Dessa forma, seria possível
levar, mesmo que de pouco em pouco, toda uma agora consciente humanidade para a
época pré-apocalíptica, garantindo finalmente a todos a Salvação irrevogável.
É difícil fazer um comentário
final sobre a obra de Müller. Há um, porém, que, em seu leve deboche, sempre me
pareceu bastante pertinente: “Apocalipse
e Regresso é uma obra exemplar, uma vez que, depois de Auschwitz, o mundo
só poderia contar com um Messias que salvasse a humanidade passando a perna no
próprio Deus”.