sábado, 14 de janeiro de 2012

Sertão do aço


O menino viu o grupo dobrando a estrada, longe. Correu para a porta da casa de barro, olhou para o pai lá dentro e disse:

- Cangaço.

O homem levantou abruptamente e fez sinal para a mulher permanecer sentada. Seu olhar dizia que resolveria tudo. Em seguida caminhou até a estrada, e esperou o grupo de cangaceiros de aço chegar.

Eram poucos, mas isso não aliviou a tensão do homem; esse tipo de gente era sempre perigoso, estando em bando ou sozinhos. Vários deles tinham implantes mecânicos, principalmente braços e pernas. O homem que à frente acenou com a mão e o grupo parou; tinha esferas vermelhas no lugar dos olhos e um implante substituindo o maxilar, dando-lhe o aspecto de uma caveira de metal.

- Precisamos de um lugar pra passar a noite, disse.

- Temos um lugar, mas não mais do que isso, respondeu o homem. Falta tudo o mais pra nós.

- Não precisamos mais que isso, além do silêncio. Temos macacos no rastro.

O homem acenou, indicando que o seguissem. Colocou-os num estábulo velho, há muito tempo vazio. Depois foi para casa, trancando sua família lá dentro, ordenando silêncio e rezando para que ele permanecesse em todo canto.

O grupo partiu ao amanhecer. O homem agradeceu, não a eles, mas à sorte deles terem deixado apenas as mesmas desgraças que encontraram. A mulher, contudo, não parecia tão satisfeita, e olhando o grupo com desprezo comentou:

- Olhe pra’quilo. Aquelas coisas no corpo, na cara, aberrações. Aquilo ali já não é mais gente.

O homem olhou para o grupo, para a esposa e para a casa, tristemente. Talvez o bando não fosse mais gente mesmo; mas isso ao menos significava que alguma vez o fora. E eles, vivendo naquela miséria, esquecidos por Deus, o que eles eram?

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