sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Um ser infinito

Para Poli

Há no zoológico local um ser fascinante, cuja espécie é desconhecida por todos, e que, acredito, só existe aqui. Bem, provavelmente existem outros iguais no mundo, mas “capturado” acho que este é o único, uma vez nunca havia ouvido falar dele. Contudo, também é possível que seus semelhantes estejam por todo lugar, irreconhecidos ou apagados, devido à sua natureza peculiar.

Este ser (pensei em dizer “criatura”, mas essa palavra contém uma carga pejorativa que contaminaria qualquer visão honesta sobre ele), aparentemente, não possui uma forma “fixa”. A qualquer momento ele pode se transmutar em qualquer outro animal, dos mais comuns aos mais fantásticos, com igual facilidade. Algumas vezes ele é um imenso leão dourado, e espanta as pessoas pela sua imponência; outras vezes é um cachorrinho vira-lata, daqueles que se encolhem num canto apenas esperando um afago que nunca aparece; já o vi na forma de um hipogrifo ou coisa ainda mais complexa, e todo mundo recuava sem entender aquilo; um vez foi um cordeiro, e tenho certeza que morreria naquele momento para salvar toda a humanidade de si mesma.

As pessoas passam, olham, perguntam, arregalam os olhos ou os levam para os lados, mas no final sempre ignoram. Acho que se trata de mais um dos sintomas da falta de interesse que as pessoas nutrem por tudo aquilo que não é óbvio.

De modo que passo os dias ao lado desse ser maravilhoso, imaginando uma forma de livrá-lo dessa prisão. Pois acredito que assim que estiver longe dessas grades ele poderá se abrir em toda a beleza da infinitude de suas possibilidades.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Alquimista

Apesar dos numerosos estudos praticados até hoje, a arte da alquimia atingiu seu ápice uma única vez na história, na Espanha medieval. A trajetória dessa ascensão é revelada através de pequenas notas cifradas, que constituem o registro de toda a aprendizagem do sábio Álvaro Lúlio.

Aqueles capazes de ler as notas se admiram com um jovem autodidata perspicaz o bastante para desvendar os maiores segredos da alquimia. Sabe-se pouco, contudo, da vida do alquimista, embora se possa pescar um pedaço aqui e ali em seus textos: por exemplo, que ele nasceu e morreu em Maiorca.

A mistura cristã, judia e árabe característica da ilha foi essencial no desenvolvimento dos estudos de Lúlio: foi a partir de elementos dessas três culturas que ele pôde desvendar o princípio essencial da Arte: cada elemento ou processo do trabalho alquímico representa uma idéia; a partir de sua manipulação é possível concretizar um conceito abstrato.

Assim, ensina-nos Lúlio: o mercúrio significa essência, o enxofre poder, o ouro sabedoria; derreter quer dizer conhecimento, ferver purificação; e assim por diante. Após anos de pesquisa foi possível tamanho domínio desse princípio por parte do sábio espanhol, que ele foi capaz de chegar ao conceito do Absoluto e assim criar um deus vivo.

É nesse ponto que os textos de Lúlio são interrompidos, e nada mais se sabe dele. Sua morte é dada como certa, em 1374. Várias são as teorias que explicam seu desaparecimento; a minha, embora um tanto amarga, tem o mérito de ser original. Acredito que Lúlio foi morto pelo deus que criou. Este, movido pelo orgulho natural da sua raça, não pôde suportar a humilhação da sua gênese: sua mente insondável foi incapaz de aceitar que ela – divina e portanto perfeita – fosse fruto daquilo que há de mais contingente e falho em toda a criação.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Cavalinhos Gregos

A primeira referência que se tem notícia sobre os cavalinhos gregos está numa ânfora encontrada na região do Épiro, e datada do séc. VIII a.C. Nela podemos ver um grupo das pequenas criaturas correndo numa linha ao longo do objeto, como se andassem em círculos.

Na peça anônima Hino Homérico a Hermes, cuja criação remonta aos séculos VII ou VI a.C., os cavalinhos são citados como servos de Hermes, ajudando o deus a entregar as mensagens do Olimpo aos mortais. Dois séculos mais tarde, seriam escritos estranhos versos elegíacos a Hipnos que mencionam os curiosos animais como filhos ou mascotes do deus do sono, e cuja função seria a de fornecer aos homens os mais variados tipos de sonhos de curta duração.

A bibliografia não é muito clara nesse ponto, mas aparentemente o papel que os cavalinhos gregos possuem no mito de Hipnos estaria na verdade relacionado ao mito de Calíope. A diferença, obviamente, está no resultado do contato entre os cavalinhos e os homens.

As próximas referências mais concretas acerca dos cavalinhos gregos estão em alguns bestiários medievais mais desconhecidos, como os de Palencia (1287), de Würzburg (1403) e de Lullus (1357). Em todos esses textos, os pequenos seres fantásticos são associados à inspiração demoníaca e à destruição da fé cristã.

O ceticismo que cresceria após o Renascimento escamoteou as alusões aos cavalinhos. Mas a ciência, que tanto destrói mitos, por vezes também ajuda, como se brincasse, a resgatá-los. Pois há apenas alguns meses atrás, finalmente um trio de cientistas pôde capturar um espécime de cavalinhos gregos. Infelizmente não foi possível manter o animal vivo, desfazendo-se ao primeiro toque numa infinidade de sentidos. Os cientistas, contudo, não ficaram desapontados; pelo contrário, dois deles estão com exposições montadas e o terceiro está prestes a lançar o seu primeiro romance.