Seguro a maçaneta e
respiro bem fundo, preparando-me. Abro a porta: o cheiro é péssimo. Embora seja
de manha, tudo é escuridão. O interruptor não funciona; acho que cortaram a
energia. Noto que as janelas estão cobertas com folhas de papel coladas;
arranco algumas, deixando a luz fazer o ser papel. No chão, roupas sujas,
revistas velhas, garrafas vazias e marmitas com resto de comida estragada. Mas só
começo a suar frio ao ver as seringas espalhadas.
Vou até o quarto. Há jornais
na janela aqui também, e as sombras são quase uma massa só. Uma delas, contudo,
se destaca; está jogada sobre algo que deve ser um colchão velho. Sei quem é:
reconheceria meu filho em qualquer lugar, mesmo aqui, neste inferno. Ajoelho-me
ao seu lado, tento ver se ele está respirando (eu não respiro). Ele volta a
cabeça para mim e me olha nos olhos, mas não me reconhece.
É só quando tenho
certeza de que a ambulância está vindo que abraço meu filho e choro. Ele está
bem. Está doente, está quebrado, mas está vivo.
O som de latidos me
desperta; ainda estou segurando a maçaneta. Olho para o lado e vejo a origem do
barulho: um cão negro de três cabeças me encara com olhos de ferrugem. As visão
deveria me causar horror, mas em vez disso me enche de tristeza; pois nesse
momento me dou conta de que de fato estou diante da porta do Hades, do
submundo, do inferno, e, inevitavelmente, surge a lembrança daquele aviso do
poeta florentino: “deixai toda a esperança, ó vós que entrais”.
Respiro fundo e giro a
maçaneta, sabendo o pior.