Um amigo (que soube disso quando
foi visitar sua pequena cidade natal) contou-me essa história há pouco tempo,
num tom entre verdade triste e mentira enigmática; talvez não haja nenhum outro
tom adequado para ela, afinal.
Matias, filho do prefeito da
cidade, sempre foi um menino doente. Ao terminar o ensino médio, foi obrigado a
trancar-se em casa, devido à fraqueza constante. Isolado, dedicou-se,
freneticamente, a ler e escrever, principalmente poesia. Algum tempo depois, reuniu
seus poemas e lançou um livro, chamado “Últimos cantos”. Seu pai bancou a
publicação e ajudou a distribuir, principalmente entre os antigos colegas de
Matias.
Pouco depois veio, terrível e
inexplicável, a onda de suicídios. Não muitos, mas o suficiente para abalar a
cidadezinha. Não demoraram a perceber que todos os suicidas tinham recebido e,
provavelmente lido, “Últimos cantos”. Surgiu o boato de que o livro seria
amaldiçoado, vingança invejosa do jovem que não podia viver.
Alguém sugeriu que fossem tirar
satisfação com Matias, obrigá-lo a confessar e retirar a maldição. Não o
fizeram pelo respeito que seu pai tinha na cidade. De toda forma, pouco depois
o próprio Matias morreria também, vítima da doença sem nome que o corroía desde
sempre.
A história, como não poderia
deixar de ser, me inquietou bastante. Meu amigo me revelou que possuía um dos
exemplares de “Últimos cantos” que sobreviveram à tragédia. Não sem um
vergonhoso receio, li o livro. É fabuloso. Ao ponto de me deixar sem palavras para
descrevê-lo.
Lembrei-me agora do que meu pai
me contava sobre o Uirapuru. Dizem que seu canto é tão belo que toda a floresta,
em reverência, se cala para ouvi-lo cantar.
O livro de Matias deveria se
chamar “Uirapuru”; assim, não haveria mais nenhum suicídio misterioso, nenhuma
maldição. Pois poderia haver maior silêncio do que o da morte?
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