Ao amigo Igor
Há uma sentença de um heresiarca
de Uqbar que diz: “os espelhos e a cópula são abomináveis, porque multiplicam o
número de homens”. Esse é o único dogma de nossa Ordem.
Somos unidos apenas por um voto e
uma missão. O primeiro é a castidade; a segunda é a busca e destruição de
certos espelhos especiais. Porque apenas alguns espelhos são efetivamente capazes
de multiplicar o número dos homens: eles criam novos universos, por meio de um
reflexo deformado de nosso próprio mundo.
É possível que o acaso seja regido
por uma força maior, como uma loteria mística; em todo caso, nunca sabemos
quando seremos sorteados, nem qual será o prêmio. Aquele deveria ser apenas
mais um dos odiosos espelhos, idêntico às dezenas que já destruí. Mas ao olhar
para o outro lado, tudo mudaria.
De início, pensei ver uma versão
mais nova de mim mesmo; mas logo percebi que se tratava na verdade de um filho que
eu não tinha. Ele era, portanto, o fruto dos dois maiores Pecados; e, no entanto,
após olhar seu rosto – uma mistura de mim mesmo com o infinito – soube logo que
faria tudo por ele, qualquer coisa para protegê-lo. Deixei o espelho intacto e
fui embora.
Há uma felicidade estranha em
pensar no meu filho – esteja ele onde estiver. Mas um dos meus pensamentos mais
prazerosos é imaginar se um dia ele também encontrará um espelho que o leve a
ver seu próprio filho; e se este também encontrará outro espelho que o permita
ver seu filho, e assim por diante, até o fim dos tempos – ou dos espelhos.
Penso e sorrio, sabendo que isso é o mais próximo que chegarei da imortalidade.