sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Golem

Não existe conhecimento no mundo que possa salvar o homem da perdição.

Chamo-me David Bolzman, e há algum tempo descobri que tenho um tumor inoperável no cérebro; meu tempo de vida, disseram-me, é infelizmente curto.

A maioria das pessoas cairia imediatamente num estado de luto por si mesmo; eu, contudo, sempre fui muito pragmático, e decidi logo que não poderia perder tempo lamentando minha partida se eu ainda quisesse permanecer neste mundo.

Dediquei-me, portanto, exclusivamente ao meu estudo da Cabala, que antes me tomava apenas o tempo do divertimento. Acreditava que poderia descobrir ali a chave para minha salvação, e de fato encontrei: a receita exata para a criação de um Golem.

A ideia era simples: ao invés de animar um corpo literalmente de barro, eu usaria a fórmula para me transformar em um Golem, afinal, todos nós somos, em princípio, corpos de barro. Dessa forma, eu poderia manter minha matéria animada para sempre, enquanto minha alma manteria o controle de tudo.

Assim, preparei ritualmente uma placa de argila com a palavra Emet (que quer dizer “verdade” na língua sagrada) gravada, colocando-a debaixo da minha língua; e essa foi minha perdição.

Pois ao invés de imortalizar meu corpo, o ritual levou-me à total consciência de tudo; tornei-me, como Deus, conhecedor de todos os mistérios da Criação. Contudo, saber de tudo é também ser tudo; e, vi-me então transportado para uma terrível viagem por diversos estados de consciência, o que, à distância, só pôde ser encarado por meus familiares como loucura.

Mas o divino Caos (e entendo agora dos ouroboristas), por sorte, me trouxe novamente ao meu estado original, embora eu saiba que isso dure pouco tempo. Tenho, portanto, apenas alguns instantes para escrever minha história, antes de me unir ao Criador no pesadelo que é a onisciência.

Um comentário:

  1. Gostei. Lembrei de um livro que li pruma disciplina de primeiro período. "Ciência e sociedade", nome dela.

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