segunda-feira, 28 de março de 2011

O Mal incerto

Eu deveria ter entendido os sinais… Mas como?

Eu deveria ter desconfiado quando sumiu a Lupita; e depois o Toby, e o Leco, a Cindi, o Uirá, e todos os outros bichinhos que tentamos criar. Mas de quem desconfiar senão dos outros?

Eu deveria ter achado estranho a expressão da Maria quando foi embora, não de raiva ou de cansaço, com seria de se esperar numa situação dessas, e sim de puro horror – mas como não sentir, ao invés da pena de quem tem medo, a raiva de quem tem coragem de chamar uma criança de demônio?

Mas agora está tudo claro: a faca ensangüentada na pequenina mão, os olhos vermelhos como duas brasas no escuro, o sorriso medonho de dentes de tubarão: isso só pode ser um demônio...

Ou... será que tenho alucinações, por causa dos ferimentos e do desespero? E logo eu, que sempre estive certa, que sempre defendi meu filho de tudo e de todos, logo eu tenho de viver a dúvida? Vivê-la logo agora, que vejo meu sangue escorrer-se, logo agora que estou morrendo?...

quinta-feira, 10 de março de 2011

Rosas

Duas coisas eram frequentemente comentadas na vizinhança sobre sua vida: como as rosas que plantava em seu jardim eram lindas apesar da terra pobre que em nada ajudava, e como sempre arrumava amantes violentos.

- Talvez as rosas sejam uma compensação que Deus lhe dá por ter de sofrer esse tipo de coisa, diziam os vizinhos quando escutavam as brigas que vinham de sua casa.

Ela, contudo, não aceitava esmola, mas sim pagamento. Pois o que eles não sabiam (embora o mencionassem como explicação absurda para aquele absurdo) era que ela escolhia a dedo os homens com quem se envolvia. Procurava sempre os piores, os mais vis, desonestos, covardes. Atraía-os para si e esperava até que chegasse o momento certo. Então punia sua violência com violência, cortando suas gargantas, perfurando seus corações, esfaqueando inúmeras vezes toda a extensão de seus corpos.

Em seguida levava seus corpos para o quintal e os enterrava. E daqueles pedaços de carne vinham o fertilizante que tornava as rosas tão fortes e o sangue que as fazia tão vermelhas.

Às vezes sentia-se cansada daquilo. Mas quando acordava pela manhã e via as pétalas vivas chorando orvalho dizia a si mesma.

- É um trato justo, Senhor.