sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Sonhador

Todos as noites eu me dedico, involuntariamente, ao mesmo sonho: sou uma espécie de burro ou asno, muito velho e muito cansado, que, após um dia cheio de maus tratos, humilhações e trabalho forçado, deito-me para sonhar que sou um homem. Acontece que, talvez por só existir dentro do sonho de um burro, eu como segundo-homem nunca tenho sonhos, já que quando vou dormir o eu-burro é acordado para mais um longo dia de trabalho, e assim fica até que vai dormir novamente ou eu-mesmo acordo, deixando tudo para trás.

O problema é que ambos os sonhos me parecem tão reais que comecei a me questionar se na verdade eu não era um dos dois sonhados, o burro ou o segundo homem; assim, resolvi descobrir do que se tratava aquilo, se eu realmente era um dos dois (o que me parecia inverossímil), ou o que os dois eram de mim. Por um apego aos clássicos que sempre uso para disfarçar minha ignorância sobre um assunto, procurei meu volume de “As obras completas” e comecei a ler A interpretação dos Sonhos.

Mas minha leitura não se estendeu por muito tempo; pois cedo percebi que eu não era nem o asno humilhado que durante as noites fugia sonhando que era homem, nem o homem idealizado, que no entanto era incapaz de sonhar, mas sim aquilo que ficou perdido entre os dois, e somente no que neles não era possuía existência.

Um comentário: